31 de julho de 2012

A menina ainda sonha... - Um pouco dos meus segredos -

... Ela acorda mais um dia com os mesmos sons dos últimos quinze anos, os mesmos gritos exasperados da pessoa que deveria amá-la mas nunca amou... Sua alma está cansada, seus lábios não querem abrir em resposta, seus ouvidos não querem tragar os gritos, seus olhos não querem derramar mais lágrimas... Inúteis lágrimas...
A menina/mulher se encolhe entre os cobertores, travesseiros e a própria solidão. Está cansada, não quer mais nada, apenas deseja com todo o coração nunca ter nascido, dói tanto, dói há tanto tempo...
 Ela fecha os olhos e lembra de quando era criança e seu coração tinha tantos sonhos, ela pensava: "quando crescer vou embora e vou ser feliz". Os anos passaram, ela nem foi embora e tampouco foi feliz. Passeia pelos próprios pensamentos, pelas próprias lembranças, recorda de quando tinha que se drogar com ansiolíticos pra poder suportar a dor de ser ela mesma, com sua vida indesejável e sua família mesquinha, cruél e cheia de amargura. Acordava, tomava seus comprimidos, dormia, acordava de novo, tomava seus comprimidos, comia algo, dormia novamente... E assim os dias seguiam, entre um banho e um prato de comida, mais comprimidos e algumas lágrimas enquanto o remédio fazia efeito... Sonhos... Tantos sonhos frustrados... Aprendeu a ser dura, aprendeu a engolir' o choro, a não esboçar nenhuma reação, a "ser ruim", como "Ela" dizia... Aprendeu a se defender, isso sim!
Os gritos a trazem de volta para sua realidade não muito diferente da qual se recordava em suas antigas lembranças. Lindas lembranças de uma pré-adolescente (na época). Tem muitas coisas pra fazer, tem responsabilidades... Responsabilidades essas que lhe tirarão dalí um dia, espera. Trabalho, curso, faculdade... Coisas de gente adulta, coisas que fazem amadurecer... Não precisou disso pra aprender o que era ter responsabilidade, pra amadurecer. Aos nove anos de idade já sabia lavar suas próprias roupas, cuidar da casa e do irmão mais novo, mas isso nunca seria o suficiente para "Ela". Sempre faltava algo, nunca era bom o bastante. Se o pai dela e do irmão os abandonou e foi viver com outras mulheres, a culpa era deles, especialmente dela, por quem "Ela" nutria uma raiva inexplicável. Se o trabalho era estafante e o salário era pouco a culpa era dos dois irmãos que quando nasceram acabaram com todas as possibilidades de evolução, pelo menos era o que "Ela" dizia... Se o último namorado alcoólatra e irresponsável não aguentou a pressão, a culpa era deles que eram insuportáveis. "Ela" sempre lembrava aos dois o quanto eram indesejados e que nunca deveriam ter nascido. "Ela" era sua mãe. A mulher a quem deveria amar e venerar era aquele ser cuja voz lhe causava ânsia de vômito, cuja presença lhe fazia tremer de raiva. "Vagabunda!". O grito a trouxe de volta a realidade novamente.
Esse embrulho deitado entre os lençóis não era do tipo de garota que saia de casa escondido de madrugada, nem do tipo que usava drogas (exceto os comprimidos para ansiedade) ou namorava sem permissão. Tirava boas notas, era elogiada pelos professores... Por que não podia ser amada?
Durante muito tempo chorou encolhida em um canto de parede. Chorou até não sobrar nenhuma força e entrar num estado de torpor. Era bom poder colocar tudo pra fora. Era bom cuspir toda essa podridão que lhe entrava aos gritos pelos ouvidos durante tanto tempo. Tremia convulsivamente, beliscava os próprios braços, batia os punhos contra a parede, abraçava com força um lençol, chorava, abafando o som com um travesseiro. Não queria ser vista chorando...
Um dia uma dor maior do que a menina achava que podia suportar a envolveu de tal forma que, desesperadamente, ela quis acabar com tudo. Muitos comprimidos, uma carta de despedida e algumas alucinações. Não, ela não morreu. Não teve coragem o suficiente pra tomar mais comprimidos, pra tomar veneno, pra se enforcar como fazia tantas vezes em seus pensamentos. Não conseguia fugir. Por que não conseguia?
A menina/mulher levanta, abre a porta do quarto e fingindo não ouvir os gritos "Dela", vai tomar banho. Tem muitas coisas pra fazer, coisas de gente adulta, que fazem amadurecer e quem sabe um dia vão tirá-la de lá...

Anne Dias

2 comentários:

Deixe sua opinião. Críticas construtivas são bem-vindas. Obrigada pela visita :)