13 de outubro de 2014
O último amanhecer de Carlos
Carlos sentou na pedra em frente ao mar e acendeu seu último cigarro. Esperava o sol nascer e tinha um aperto no peito, as mãos suavam e a fumaça que saia por entre seus dedos deixava seus cabelos com um odor desagradável. Era o último amanhecer de Carlos.
As ondas quebravam suavemente, trazendo com o vento aquele perfume de mar que sempre guardamos na lembrança. O cheiro de Carlos era de mar e fumaça. Esses seriam os últimos aromas que ele sorveria na vida.
Lembrou-se de um dia feliz da sua infância. Era domingo de sol, pra não fugir à regra. Ele brincava no jardim com seu pai. Corria o mais rápido que podia, vencendo-o. Seu pai não era tão velho, mas já estava cansado.
A vida era linda. A vida era o jardim e a casa. Era o bolo de cenoura da mamãe, a televisão na sala. A vida era aquele mundinho aconchegante que ele conhecia.
Mas ele cresceu e a vida ficou maior e mais triste. Carlos ficou assim, cada dia mais triste...
O dia foi clareando devagar e os primeiros raios de sol iluminavam o horizonte com faixas alaranjadas. O nascer do sol iluminava seu rosto. Que bom era morrer à luz da manhã. Ele já não tinha tanto medo. Deu mais um trago, olhou para o mar e deitou na areia. Seu peito já não tinha forças, o bater era fraco. Lembrou mais uma vez do rosto de seu pai e fechou os olhos... Nesta vida Carlos já não existia.
C. Dias
Soneto
Se Tu Viesses Ver-me...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
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